A madeira amanteigada de Bruno Thaler

A madeira amanteigada de Bruno Thaler

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Com o formão afiadíssimo em punho, Bruno Thaler começa a dar forma a um pedaço de cedro. O bloco ainda virgem é áspero, bruto, e poderia ser jogado na primeira lata de lixo por um desavisado. Em poucos minutos, uma espécie de ressurreição começa a acontecer: o que já foi uma planta toma forma e se transforma numa Edelweiss, flor nativa da Áustria que tem como principal característica a capacidade de se adequar aos novos ambientes.

Tal qual o ícone preferido dos austríacos, o povo de Treze Tílias, no Oeste catarinense, tem o mimetismo como traço fundamental. A maioria dos pouco mais de 7 mil habitantes é descendente de imigrantes que saíram do país europeu para sobreviverem a uma crise sem precedentes, agravada pelo pós-guerra. Seus ancestrais embarcaram no navio Princesa Maria e, em 1933, fundaram a cidade que conserva os traços mais fundamentais da tradição, cultura e história. O ex-ministro da Agricultura da Áustria, Andreas Thaler, foi o pioneiro e líder desse movimento. Ao chegar, demarcou terras e deu início à comunidade — ajudou a erguer as primeiras casas, incentivou o trabalho e ensinou o que sabia aos familiares — inclusive a arte de entalhar madeiras.

Bruno é neto do fundador, e se recorda do avô o ensinando a lidar com as primeiras ferramentas: “Era fácil me ver enfiando pregos por aí, desde criança”, diz enquanto ajusta a mesa que ele próprio construiu para atender às necessidades do trabalho. Dentro da oficina, ele está realizado. Não se incomoda em suspender a folga do sábado para sentar-se à bancada, pegar as ferramentas e começar o seu ofício-arte. “Dou importância ao trabalho e à manutenção da tradição, e isso me satisfaz”, afirma.

Os campanários do alto das casas materializam esse orgulho. Eles trazem um sino, que é tocado se há algum acontecimento importante na comunidade, e um galo de metal – este representa a disposição do povo tirolês em acordar cedo e trabalhar pelo desenvolvimento do seu espaço. Na loja de Bruno, que funciona de segunda a sábado desde o momento em que o sol nasce até quando se põe, há uma série de miniaturas deste símbolo, todos feitos à mão por ele ou por algum dos outros 20 escultores em atividade em Treze Tílias. Pelo trabalho, a cidade é considerada a Capital Nacional da Escultura e dos Escultores de Madeira, e o talento dos artistas locais é cobiçado pelo Brasil afora. Muitos — Bruno entre eles — são escolhidos para produzirem peças que ornamentam igrejas, prédios públicos e residências de outros Estados.

“Meu irmão, Godfrid, foi quem esculpiu a cruz da Igreja Dom Bosco, em Brasília. Eu fiz o teto da Igreja Nossa Senhora do Brasil, de São Paulo, e nossos vizinhos têm criações até fora do Brasil”, gaba-se inocentemente, destacando uma das qualidades de Dreizehnlinden. A palavra em alemão é o nome de uma obra do escritor austríaco Friedrich Wilhelm Weber, e foi o primeiro nome de Treze Tílias. O sinônimo em português foi adotado nos anos 50, quando a campanha de nacionalização da Era Vargas reprimia as chamadas “línguas minoritárias”.

A conversa flui, em bom português, e em minutos mais um Edelweiss está entalhado no Cedro. A força e a tradição dos tiroleses-brasileiros, personificadas em Bruno Thaler, fazem o trabalho praticado há anos parecer muito fácil. “É como cortar manteiga”, diz, enquanto sorri por mais uma obra concluída e por ter ajudado a esculpir um pedaço da Áustria no Meio Oeste catarinense.

Felipe Reis
Jornalista – Reg. MTB 4672/SC

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